Por Maurício Morgado.
Explicações para os recentes movimentos verificados no varejo de eletro-eletrônicos no país não são simples e, mais do que tudo, refletem movimentos que já vêm acontecendo há tempos. Se eles estão aparecendo agora com mais força no varejo, já chegaram a outros setores como o bancário, os laboratórios farmacêuticos, as montadoras de automóveis e até mesmo seguradoras, para citar alguns. Voltando para o varejo, apesar do frisson causado pelas recentes fusões no mercado de eletro-eletrônicos, não podemos esquecer quantas bandeiras supermercadistas o Walmart adquiriu há cerca de 3 anos no Brasil.
Na busca das explicações para esses movimentos, um primeiro ponto a se considerar é a internacionalização do varejo brasileiro. Carrefour e Walmart são exemplos marcantes, contudo não podemos esquecer que o grupo Pão-de-Açúcar, notório protagonista de dois recentes episódios de fusão/aquisição (com Ponto Frio e Casas Bahia), tem considerável parcela de capital francês. Esses grupos estrangeiros, sozinhos ou em associação com empresas nacionais, trazem mais capital, tecnologia e dinamismo ao setor. Para cada investimento feito no país, os acionistas demandam retornos e estes dependem, no final, de mais vendas. Usar esse aporte de capital para comprar uma rede local já estabelecida é uma maneira rápida de atingir crescimento.
Claramente o varejo se sofisticou muito e negócios mais sofisticados demandam mais informação que, por sua vez, traz a necessidade de mais tecnologia para gestão e eficiência operacional. Quem ganha o jogo no varejo nos dias atuais é quem tem mais informação, decide em melhores bases e, em última instância, não amarga com estoque parado ou é obrigado a liquidar com baixa rentabilidade. Portanto, grande necessidade de informação e, conseqüentemente de informatização, são fundamentais no varejo de hoje. Construir essa inteligência, esse conhecimento do mercado, mais do que custar muito, demora para ser feito e comprá-lo pronto é uma das vantagens consideradas quando se fala de fusões e aquisições.
Essa complexidade da operação varejista demanda profissionais cada vez mais qualificados. Por conta disso o varejo sofreu um processo de profissionalização muito grande. Como antes os melhores profissionais iam para a indústria (era ela quem ditava as regras), sobravam os menos preparados para o varejo. Isso mudou: com esse cenário de sofisticação dos negócios varejistas, os quadros de funcionários do varejo hoje em dia abrigam gente super gabaritada, capaz de tocar as complicadas tarefas de integrar as operações, resultante típica desses processos de união de empresas.
Falando em profissionais do varejo e da indústria, algo que definitivamente muda é a relação entre eles. A indústria não tem o menor interesse em concentrar 30, 40% de seu faturamento nas mãos de um varejista só. Isso a enfraquece, colocando-a muito dependente desses grupos. Se a junção Pão-de-Açúcar – Ponto Frio – Casas Bahia representou um capítulo indigesto para a indústria, o acordo Ricardo Eletro – Insinuante também deve ser difícil de engolir. Ao estudar essas operações sempre devemos levar em consideração a imensa força que esses novos grupos ganham perante seus fornecedores.
Agregando outro dado à análise, uma característica muito particular do varejo como um todo é a limitada capacidade de atração geográfica que cada loja tem. As pessoas tipicamente preferem comprar perto de onde moram ou trabalham, e isso restringe a capacidade de atração da loja ao que chamamos de área de influência. Se uma rede tem mais pontos, ela é capaz de atender mais clientes pela própria soma de suas áreas de influência. Comprar os pontos de concorrente é uma forma rápida de incorporar clientes à sua carteira. Essa conversa perde um pouco o sentido quando falamos de e-commerce, contudo, ainda assim, clientes que fazem compras pela Internet preferem fazê-lo de varejistas conhecidos, onde seja possível reclamar caso tenham problemas.
No caso do varejo de eletro-eletrônicos há uma característica curiosa do lado do consumidor. Como esses tipos de produtos tendem a custar mais caro e representam uma decisão importante (e duradoura) na vida do cliente, ele tende a pesquisar mais, a comparar mais os produtos e as lojas. Isso é tão marcante que, ao contrário do senso comum, concorrentes desse setor preferem ficar lado a lado nos shoppings e ruas comerciais exatamente para facilitar essa comparação.
A coisa fica um pouco mais complicada e emocionante quando consideramos que tipicamente os varejistas de eletro-eletrônicos preferem (e precisam) se estabelecer nos shoppings e pólos comerciais consagrados das cidades onde escolheram atuar. A parte emocionante reside no fato que o investimento no ponto é um dos mais significativos que um varejista pode fazer e, além disso, o estoque de pontos bons e disponíveis é limitado. Essas regiões de comércio costumam já estar tomadas e, achar um ponto grande o suficiente para montar uma loja de eletro-eletrônicos de peso não é uma tarefa fácil. Essa briga pelos pontos comerciais vira um jogo de xadrez e é um dos fatores que ajudam a explicar as fusões e aquisições recentes. O raciocínio é: “eu não tenho ponto naquela região, mas ele tem. Vamos juntar as forças então.” Se a sobreposição de pontos é pequena, como no recente caso da Ricardo Eletro com a Insinuante, melhor ainda, mais força para a intenção de juntar as operações. E esse jogo de xadrez ganha outros contornos quando analisamos a área do tabuleiro onde ocorreu, a região Nordeste. Apontada por especialistas como a área da nova corrida ao ouro no varejo, a junção dos dois (e dos seus pontos de venda) supostamente teria blindado esse local contra a expansão das bandeiras Casas Bahia, Eletro e Ponto Frio.
Outro ponto a considerar é o desempenho do próprio varejo brasileiro que cresceu por volta de 8% no ano passado, bem acima do próprio crescimento do PIB. As perspectivas para o setor continuam boas, principalmente em ano de eleição, jogos da Copa e com o país às vésperas de sediar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Segundo uma grande consultoria internacional, o Brasil finalmente deixou de ser o país do futuro – tornou-se o país do presente. Esse otimismo todo, refletido nos índices de confiança do consumidor e do empresariado, levam a desejos de expansão e busca por novos mercados, algo atípico no Brasil, dado que nas últimas décadas o desenvolvimento econômico não foi, já que estamos falando de eletro-eletrônicos, uma Brastemp…
Desse turbilhão todo ficam duas perguntas: Isso é bom? Acabou?
Quanto a ser bom ou não depende do ponto de vista. Para as empresas envolvidas, esse é o caminho natural, a forma de sobreviver e se fortalecer para enfrentar outros grupos igualmente grandes e cada vez mais fortes. “Quem não faz poeira, come poeira” parece ser a frase enquadrada na sala desses executivos. Nesse sentido, o movimento é bom, pelo menos para os que sobreviverem a ele…
E para o consumidor? Ele sairá ganhando? Novamente depende. Se os grupos empresariais remanescentes partirem para uma briga real, disputando mercado palmo a palmo, o consumidor tenderia a ganhar, pelo menos em qualidade de serviço. Mas temos exemplos nos quais o fato de termos menos players disputando o mercado gera situação na qual se esforçam nessa briga. Afinal, se o cliente ficar insatisfeito hoje e não comprar, não tem problema. Amanhã ele voltará até por falta de opção. Quem já tentou trocar de plano de TV a cabo ou internet rápida sabe do que eu estou falando…
Teremos mais operações desse tipo ou acabou? Não parece ter acabado. Importantes players ainda necessitam fazer seus movimentos. Magazine Luiza, Colombo e Pernambucanas são alguns deles. O jogo de xadrez vai continuar e o tabuleiro é o Brasil. Não percam os próximos lances.
Publicado versão reduzida no O Estado de São Paulo.